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Entre os indicados a melhor filme dessa edição do Oscar, chama atenção a rara indicação de um filme de terror para a categoria, justamente um gênero historicamente marginalizado pela academia e visto como baixa arte pelo suposto “bem fazer cinematográfico. Logo o terror corporal como um subgênero ainda mais nichado dentro do terror, surpreende duplamente por sua indicação.
Nos últimos anos, o cinema de terror corporal francês vem ganhando um certo destaque, principalmente nos festivais europeus, com um filme como Titane (2021) da diretora Julia Ducournau vencendo a Palma de ouro em Cannes, diretora essa de outro terror corporal bem-conceituado pela crítica, Raw (2016). Tanto Julia, quanto a diretora de A Substância (2024), Coralle Fargeat, parecem beber de uma onda de filmes mais radicais em sua violência chamada de Extremismo francês, porém os levando para temáticas do universo da experiência feminina, tanto se aproveitando, quanto subvertendo mensagens em um subgênero que historicamente se utilizou dessas experiencias como gravidez e conceitos de beleza para criar seu horror e choque.
Indo para o cinema dos EUA, a diretora francesa decidiu chamar para seu papel principal a atriz Demi Moore, anteriormente destratada e subestimada por Hollywood por associarem seus papeis somente à sua beleza de outrora, que inclusive já pensara em sua aposentadoria, o que se demonstrou a perfeita união entre história de vida de uma atriz e a temática do filme. A Substância, através da alegoria de uma fórmula de duplicação genética que separa a versão jovem de sua versão velha atual, buscar criticar a indústria cultural e da beleza, demonstrando o processo da deterioração física e mental de mulheres alienadas que se tornam obcecadas pelo conceito de beleza e juventude.
No início do filme, a protagonista Elizabeth (Demi Moore), já demonstrava um pequeno nível de autodesprezo por sua aparência, porém, somente com a separação de sua versão mais jovem, Sue (Margaret Qualley), vivendo sua vida de estrela em parte do filme que se demonstra uma grande sátira, Elizabeth pode descontar toda a raiva que sentia por si mesma em sua versão mais velha, como uma das cenas mais impactantes do filme sendo a visão de uma mulher tão insegura que mal consegue sair de casa. Ao longo do filme, Sue vai consumindo mais e mais do físico de Elizabeth, quebrando a codependência que deveria ser a relação das duas, até o fatídico dia em que Sue mata sua versão matriz e começa a definhar sozinha por não ter mais de onde tirar o que lhe sustentava, como são a mesma pessoa, Sue literalmente matou a si mesma em sua obsessão.
Apesar dos problemas com a forma que o filme tenta equilibrar seu lado satírico e dramático, assim como a montagem carregada de hiperestímulos e que tenta relembrar o tempo inteiro os acontecimentos do filme subestimando o espectador, é de se reconhecer a sensibilidade do filme de usar todo o derramamento de sangue, monstruosidade grotesca e valor de choque pra estabelecer um vínculo com o medo da velhice e do etarismo causado pela indústria do superficial, um filme desses ser indicado ao Oscar é um reconhecimento interessante para um dos gêneros mais importantes e populares da história do cinema.