A roleta da pobreza e o jogo de azar do Brasil: Quem paga a conta?

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"Se o trabalho duro realmente enriquecesse alguém, os burros seriam bilionários." É com essa máxima que parece ter se instaurado a mais nova febre nacional: os jogos de azar. E não me refiro àquela raspadinha que o seu avô comprava no botequim. Estamos falando de milhões de brasileiros que depositam suas esperanças, e seus parcos salários, em apostas on-line, enquanto influenciadores como a doutora Deolane Bezerra, Carlinhos Maia e Virgínia pintam uma vida de glamour e sorte instantânea. Tudo isso enquanto nosso país caminha em um triste paradoxo: cada vez mais pobre, cada vez mais dependente da ilusão de que o dinheiro fácil é a única saída.

Deolane, que no imaginário popular já virou "doutora" por direito autoconferido, está sendo investigada por lavagem de dinheiro. E, se formos honestos, essa situação não choca mais ninguém. Afinal, como já dizia o escritor Honoré de Balzac, "por trás de toda grande fortuna, há um crime". E qual seria o crime maior que o de alimentar a esperança desesperada de milhões de brasileiros em nome de publicidade disfarçada de entretenimento? Mas, claro, a doutora não está sozinha nessa. Carlinhos Maia e Virgínia, que ascenderam ao estrelato com suas vidas editadas e promovidas no Instagram, também já foram grandes arautos da "sorte". Depois da pandemia, quando a publicidade escasseou, muitos influenciadores digitais descobriram nos joguinhos de aposta uma mina de ouro. Afinal, promover produtos pareceu uma tarefa muito mais difícil do que vender sonhos.

Para quem não se lembra, no início da pandemia, todos viraram influenciadores. Desemprego, trabalho remoto, lojas fechadas... Um mar de gente começou a "vender" estilo de vida na internet. Mas o sonho da fama não se pagava sozinho. A publicidade convencional se tornou cada vez mais restrita, e os grandes contratos ficaram nas mãos de poucos. Daí a natural transição para o mundo das apostas. De repente, "é fácil ganhar dinheiro", desde que você se conecte e aposte com uma boa dose de otimismo (ou desespero).

O governo, sempre ávido por uma nova fonte de renda, vê nessa febre uma oportunidade de lucro. Centenas de reuniões entre Fernando Haddad e empresários do setor foram realizadas este ano. Em contrapartida, Haddad encontrou-se com agentes de saúde apenas cinco vezes, segundo a influenciadora Rita Von Hunty. Está claro onde está o foco: o governo quer legalizar as apostas, com vistas à arrecadação de bilhões em licenças. Mas, como é de costume, há uma questão negligenciada: o custo social e psicológico disso tudo.

De que adianta regulamentar o jogo de azar quando a realidade do trabalhador brasileiro se resume à desilusão com o trabalho? Nossos salários estão estagnados, e a meritocracia já se provou uma mentira tão esfarrapada quanto a promessa de que "com apenas R$ 10, você pode mudar sua vida". A mentalidade de que o trabalho honesto e duro trará prosperidade está sendo enterrada, substituída por essa nova crença de que a sorte é o único caminho possível.

O efeito psicológico desse tipo de aposta é profundo. Basta observar o aumento de casos de vício em jogos on-line em países onde a prática já foi legalizada. A ludopatia é um problema sério, e o Brasil não tem a menor estrutura para lidar com isso. A legalização das apostas não trará apenas lucro aos cofres públicos; ela trará uma nova carga ao nosso já deficiente sistema de saúde mental. Imagine a fila no SUS, onde pacientes já aguardam por meses para consultas básicas, enquanto o número de dependentes em jogos explodirá. Mas esse é um detalhe que, aparentemente, não consta nas preocupações de nossos governantes.

Falando em detalhes negligenciados, vale lembrar o caso da Rede Globo, que, mesmo com o presidente de uma de suas principais patrocinadoras de apostas preso, continua mantendo os acordos publicitários. Não são apenas R$ 600 milhões que estão em jogo aqui; é a credibilidade de uma emissora que, historicamente, sempre esteve envolvida em grandes narrativas sobre moralidade e ética. Mas parece que, quando o dinheiro fala mais alto, todos se tornam um pouco surdos.

O que vemos, na verdade, é uma normalização dessa nova loteria digital, promovida por influenciadores que, após a pandemia, se lançaram com mais força nesse mercado. A lógica é clara: em tempos de crise, quando a economia não oferece oportunidades, as pessoas buscam soluções imediatas, ainda que ilusórias. E é aqui que Deolane, Carlinhos Maia e outros se tornaram arautos de um novo evangelho: a fé cega no golpe de sorte. O Brasil não precisa mais acreditar no trabalho como redentor; agora, o que importa é "quem tem fé" no clique certo.

Se Dostoiévski, que conhecia bem os efeitos da roleta, vivesse entre nós, talvez dissesse que os brasileiros não estão apenas jogando para ganhar; estão jogando para esquecer. Esquecer que o salário é insuficiente, que o governo não se importa com a saúde mental, e que o trabalho honesto não é mais sinônimo de sucesso. Na loteria da vida, quem será o próximo a girar a roleta da miséria e cair nas garras do vício? E, mais importante, quem se importa?

Nesse cenário, vemos um Brasil cada vez mais carente de políticas públicas eficientes, e cada vez mais envolto na cortina de fumaça do lucro fácil. As apostas são o novo ópio do povo, enquanto o governo, os empresários e a mídia lucram às custas de uma população que, exaurida, só deseja um milagre. Como diria Jean-Paul Sartre, "não importa o que fizeram com você; o que importa é o que você faz com o que fizeram de você". Mas quando todos os caminhos parecem fechados, talvez apostar seja a única opção. Mesmo que o preço dessa ilusão seja a própria vida.

*Chal Emedrón, pseudônimo de Carlos Medeiros, licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por cultura pop e comportamento humano.