O cinema da Chapada está prestes a ganhar mais uma produção. O filme ‘Ibejis’ está em processo de finalização e com data de lançamento marcada para o dia 7 de dezembro. O curta-metragem de ficção será apresentado oficialmente na comunidade da Lagoa Seca, em Iraquara, local que emprestou sua história e cenário para o filme.
‘Ibejis’ é fruto da preocupação da diretora e multiartista Kallyane Nery, jovem de 22 anos da Chapada Diamantina, com a preservação da cultura e tradições do território. Por meio da ficção, conta a história de Dona Menina, uma senhora que carrega a tradição da feitura do caruru de Cosme e Damião, um dos festejos mais tradicionais da região.
De forma leve, aborda o dia tão esperado de preparação da comida e festa dos santos gêmeos, os Ibejis no sincretismo religioso, além de deixar no imaginário do espectador a continuidade dessa manifestação cultural por meio do desenrolar da história dos gêmeos Pedro e Joana, personagens de destaque no curta.
A Chapada Diamantina é uma nascente de riquezas materiais e imateriais. As belas paisagens se somam às tradições, tornando única a identidade da região. No território, em recantos especiais incrustados nos povoados miúdos - rurais, quilombolas, tradicionais - estão muitas dessas preciosidades reveladas em expressões artístico-culturais, festividades e costumes celebrados e preservados há anos.
Resgate e preservação
No entendimento de Kallyane, aos jovens cabe a importante missão de observar a passagem do tempo e a chegada das “modernidades”, sem perder de vista a valorização das tradições. A palavra de ordem é continuidade; mas como continuar o que não se conhece? Essa foi a pergunta que a diretora se fez quando percebeu que na comunidade da Lagoa Seca, as tradições estavam ameaçadas pelo desconhecimento.
No povoado de onde se sente filha, a partilha de comida no tradicional caruru de Cosme e Damião é uma das tradições mais importantes. No entanto, alheia a essa celebração da mais pura cultura chapadeira e baiana, a população local já não se encontra no 27 de setembro para a festa dos santos gêmeos.
Kallyane encontrou na sétima arte uma forma de eternizar e preservar essa riqueza cultural e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para a preservação das expressões da cultura popular tão importantes para a Chapada Diamantina. ‘Ibejis’ nasceu com essa missão. “A narrativa trata sobre essa renovação da cultura, de mostrar, perpetuar nossa história, tradição e memória na forma de audiovisual”, explicou a diretora.
Festejos de Cosme e Damião
A poética do filme gira em torno da tradição da partilha de comida e afeto na pequena comunidade e surge em perfeita sintonia com temáticas culturais e identitárias do estado, já que o caruru de São Cosme e São Damião acaba de ser oficializado como Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia, demonstrando a sua importância enquanto tradição.
Ainda que não toque diretamente no aspecto religioso, ‘Ibejis’ também demonstra o compromisso de combater o apagamento da identidade afro-brasileira como parte importante da cultura. Dessa forma, se transforma também em uma ferramenta de combate ao preconceito contra as crenças de matriz africana.
Comunidade presente
A produção se propõe a valorizar a própria comunidade que, além de compor a equipe técnica e artística do filme, também integra o elenco. Formado totalmente por moradores da localidade, desde a personagem principal, encenada por uma personalidade de destaque na comunidade e avó da diretora, D. Laurita, até as crianças que encenam o filme, todos passaram por um processo intenso de preparação para atuar.
A diretora enfatiza que é um “filme feito das pessoas da Chapada Diamantina para as pessoas da Chapada Diamantina” e defende a produção como um espaço de protagonismo tanto de quem é retratado no filme como de quem o produz. “Não tem como ter outra perspectiva além da de quem mora aqui, que vive essa tradição, que sente tudo que a Chapada Diamantina proporciona”, completa.
Jovens estudantes de escolas federais, estaduais e municipais de Seabra e Iraquara acompanharam as filmagens, participando de rodas de conversa e recebendo orientações dos profissionais que trabalharam no filme.
A ideia foi mostrar aos meninos e meninas que não apenas é possível realizar cinema em qualquer lugar, como a Chapada é um celeiro de boas produções. “Nada melhor do que a gente poder contar as nossas próprias histórias. Essa contrapartida com os jovens é para mostrar que eles também podem contar as próprias histórias nessa ou em qualquer localidade”, explicou Kallyane.
O projeto do filme foi contemplado nos editais da Lei Paulo Gustavo Bahia, por meio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, sendo o único roteiro de ficção selecionado pelos recursos da lei de incentivo na Chapada em 2023.