Pablo Marçal e o perigoso rumo das eleições brasileiras

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Assim como não permitimos que qualquer pessoa exerça profissões que exigem qualificação, como a medicina ou a engenharia, devemos exigir um nível mínimo de preparo e entendimento daqueles que aspiram a cargos públicos. Se quisermos preservar a democracia e evitar a tirania da mediocridade, precisamos defender a qualidade do debate público e ser criteriosos na escolha de nossos líderes. Nesse sentido, candidatos com o (des)nível do empresário Pablo Marçal se tornaram exemplos do que devemos evitar ao chegarmos às urnas.

Há mais de uma semana, a Justiça Eleitoral determinou a retratação e, posteriormente, a suspensão das redes sociais do candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal, devido ao seu lamentável comportamento durante os debates políticos, infestando os meios de comunicação com ofensas, desinformações e acusações falsas contra seus oponentes. O ex-integrante de uma quadrilha que desviou dinheiro de bancos chegou a afirmar, em sua campanha política, que o também candidato à prefeitura, Guilherme Boulos, foi retido pela polícia nos idos de 2001 portando drogas ilícitas, apelidando-o de “aspirador de pó” em referência ao suposto uso de cocaína pelo representante do PSOL.

Ocorre que tal autuação judicial se referia a outro Guilherme Boulos, de sobrenome Bardauil, e não ao Castro, o psolista. Mesmo sabendo não se tratar de seu rival político, Marçal lançou a acusação sobre o seu adversário para que a notícia se espalhasse antes de ser verificada pela população. Esse é um ato repugnante e desleal que deveria ser punido com a suspensão da candidatura, em vez de mero esclarecimento por parte do acusador, como determinou a Justiça, o que sequer foi realizado.

Contudo, as ações duvidosas do empresário goiano, que já chegou a ser preso preventivamente e condenado por golpes e fraudes bancárias no passado, não param por aí. Intimidação e gestos com as mãos insinuando que seus adversários usam cocaína, sem a menor comprovação, durante os debates, assim como outros comportamentos inadequados, têm feito outros candidatos desistirem de comparecer aos debates televisivos, onde deveriam discutir suas propostas de mandato. Isto é, o debate político, que deveria ser um espaço para a troca de ideias profundas e o desenvolvimento de soluções coletivas, tornou-se um palco de “caricatice” e cortes que, segundo o coach milionário, farão sucesso nas redes sociais. A cada eleição, vemos o enfraquecimento do discurso político e a ascensão de uma retórica que reduz tudo a extremos simplistas.

A idiotização do debate político

A tática de Marçal não é inédita, pois, nos últimos anos, o Brasil presenciou uma guerra de notícias falsas sendo geradas para confundir, enganar e até mesmo destruir a imagem de políticos com reputação sólida no cenário brasileiro. Ainda assim, o que parece ser mais surpreendente é a tolerância, ou a falta de consciência do brasileiro em relação a esse tipo de artimanha, que deveria servir como atestado de incompetência argumentativa e não como estratégia política, como algumas plataformas têm tratado esse tipo de “campanha eleitoral”.

A presença de candidatos como Pablo Marçal na política brasileira reflete um problema alarmante: a progressiva idiotização do debate político. Marçal, com sua trajetória de empresário e autoajuda, representa uma tendência perigosa de superficialidade e desprezo pela complexidade dos desafios sociais. Sua candidatura não é apenas uma expressão de diversidade política, mas um sintoma de um cenário em que a ignorância é celebrada, e a política se transforma em espetáculo vazio.

Consequentemente, o principal perigo dessa tendência é que ela mina a confiança nas instituições democráticas e abre espaço para líderes que prometem soluções fáceis para problemas intrincados. Alexis de Tocqueville já alertava para o risco de que a democracia se corrompa sob a tirania da maioria, onde paixões e interesses momentâneos suplantam o bem comum. Quando o debate político se transforma em um concurso de popularidade, a própria ideia de representação política é distorcida.

Impedir que candidatos com comportamento inadequado avancem nas intenções de voto não é uma medida drástica; é uma defesa necessária da democracia. Isso não implica restringir a liberdade de expressão ou o direito de participação política, mas sim garantir que esses direitos sejam exercidos com responsabilidade e conhecimento. Assim como não permitimos que qualquer pessoa exerça profissões que exigem qualificação, como a medicina ou a engenharia, deveríamos exigir um nível mínimo de preparo e entendimento daqueles que aspiram a cargos públicos.

Em resumo, candidatos como o coach “messiânico” não são apenas figuras políticas; são sintomas de uma regressão do debate e de toda a instituição política em nosso país. Sua candidatura e uma possível vitória abririam um caminho sem precedentes de picaretagem, que nem os mais pessimistas poderiam prever. É fato que a política atual está longe de ser digna e satisfatória, mas, como diz a sabedoria popular, nada está tão ruim que não possa piorar. O caminho "Marçaliano" de fazer política pode nos guiar a um poço ainda mais fundo do que aquele em que já nos encontramos.

Por outro lado, ainda é possível seguir um viés oposto ao cenário desesperador que se constrói diante de nós, eleitores. Se nos atentarmos ao modo como Pablo Marçal conduz seus esforços para chegar à prefeitura de São Paulo, tudo pode se reverter em uma valiosa lição do que devemos evitar ao máximo quando estivermos diante das urnas. Se quisermos preservar a democracia e evitar a tirania da mediocridade, precisamos defender a qualidade do debate público e ser criteriosos na escolha de nossos líderes.

A política não pode ser um palco para amadores e charlatões, mas deve ser um espaço para aqueles que, com conhecimento e responsabilidade, estão preparados para enfrentar os desafios complexos da sociedade, os quais impõem e exigem ética e seriedade. Para isso, é essencial garantir que somente os preparados possam se candidatar e, consequentemente, governar.

*Chal Emedrón, pseudônimo de Carlos Medeiros, licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por cultura pop e comportamento humano.