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No Brasil, o buraco é sempre mais embaixo. Para entender os acontecimentos dos últimos dias, faz-se necessário perpassar por um labirinto onde a lógica se esvai e a sanidade se questiona: o sistema tributário brasileiro. A mais recente novela, digna de folhetim em horário nobre, gira em torno da taxação do Pix. Essa fakenews tomou os WhatsApps de jovens e senhores (todos senis) de toda a nação, ainda que seu conteúdo seja completamente inacreditável. Mas sabemos que para disputas políticas, tudo é motivo de ataque. A questão verdadeira nesse caso é que com Pix ou sem Pix, a sanha arrecadatória do Estado parece insaciável, qual Moloch faminto por tributos. A questão que lateja em nossas mentes, enquanto o real míngua frente à inflação galopante, é: para onde escoam nossos suados tostões?
A promessa implícita, desde 1500, é que os impostos retornarão à população em forma de serviços públicos eficientes, educação de qualidade, saúde acessível e segurança exemplar. Uma verdadeira Arca de Noé tributária, onde todos embarcaríamos rumo a um futuro próspero. Acontece que, na prática, a arca parece mais um navio fantasma, à deriva em um mar de ineficiência e corrupção.
Enquanto isso, a inflação, nossa velha conhecida, assombra os mercados e corrói nosso poder de compra. O salário que ontem comprava um carrinho de supermercado, hoje mal enche uma sacola de feira. E a culpa, claro, nunca é do sistema, mas sim da “crise internacional”, do “joio no trigo” e outras ladainhas que já decoramos de cor.
Eis que chegamos ao ponto nevrálgico da questão: a injustiça tributária. Como explicar, de forma didática, que milionários pagam menos imposto de renda que professores, médicos e policiais? A resposta, meus caros, reside na complexidade kafkiana do sistema. A tributação sobre a renda, no Brasil, incide majoritariamente sobre os salários, enquanto os rendimentos provenientes de lucros e dividendos, por exemplo, gozam de uma benevolência quase divina. Assim, enquanto o professor declara cada centavo de seu salário, o milionário vê seus lucros – frequentemente muito superiores – serem tributados de forma branda ou até mesmo isentos.
E o que dizer dos bilionários? Ah, esses mestres da engenharia fiscal! Valendo-se de paraísos fiscais, verdadeiros oásis de impunidade tributária, eles blindam seus patrimônios e driblam o Leão faminto. Afinal, por que pagar impostos no Brasil se é possível estacionar a fortuna em um paraíso ensolarado, livre de tributos e questionamentos?
Para ilustrar essa tragicomédia tributária, recorro a uma frase atribuída a Cícero, orador e filósofo romano: “O orçamento deve ser equilibrado, o tesouro público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância das autoridades deve ser moderada e os gastos públicos devem ser controlados”. Palavras proferidas há mais de dois mil anos, mas que ecoam com uma atualidade assustadora. Parece que, desde então, pouco mudou na arte de governar e tributar.
Em suma, a taxação inexistente do Pix é apenas a cereja do bolo em um sistema tributário que beneficia os mais ricos e penaliza a classe média. O povo morre de medo dos impostos porque parece que só os desprovidos aqueles que pagam por eles. A Arca de Noé tributária, outrora promessa de bonança, transformou-se em um palco de desigualdades, onde alguns poucos desfrutam de privilégios enquanto a maioria se afoga em um mar de impostos e inflação. Resta-nos, portanto, questionar, protestar e exigir um sistema tributário mais justo e equitativo. Afinal, como já dizia a sabedoria popular, “de grão em grão, a galinha enche o papo”. Mas, no caso do Leão, parece que o papo nunca se satisfaz.
*Chal Emedrón, pseudônimo de Carlos Medeiros, licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por cultura pop e comportamento humano.