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No dia 4 de maio deste ano, em meio às tragédias no Sul do país, o Rio de Janeiro sediou um dos maiores shows da sua história: o encerramento da "Celebration Tour" da cantora estadunidense Madonna. O evento injetou cerca de R$ 300 milhões nos cofres públicos da cidade (que investiu R$ 10 milhões na apresentação). E não se enganem: as mais de 1,6 milhão de pessoas presentes nas areias de Copacabana não estavam lá apenas pela música da artista. Elas também estavam lá porque Madonna, ao longo de seus 40 anos de carreira, investiu em discursos e posicionamentos que impactaram a vida de milhões de pessoas em todo o planeta. A arte tem um poder que transcende milênios da história humana e, apesar dela poder ser capitalizada e se tornar fonte de renda para milhares de pessoas há séculos, Irecê parece não ter acordado para o fato de que a criação de uma indústria cultural na cidade pode ser crucial para o seu crescimento econômico.
É inegável que, nos últimos anos, produtores e agentes culturais da região (e de fora dela) têm se dedicado a elevar o nível do mercado cultural na cidade. Isso se dá através da organização de festivais cênicos, eventos musicais e literários, e até mesmo da criação de centros de artesanato. Esse esforço tem tudo para ser bem-sucedido, desde que a população em geral compreenda que a cultura é, de fato, uma necessidade social não apenas no campo intelectual, mas também econômico. Uma peça teatral que um grupo de amigos assiste junto vai ser assunto na mesa de um bar enquanto se deleitam com petiscos e consomem bebidas. Um filme que relata a história local vai enriquecer culturalmente diversos estudantes e curiosos, e pode levar escolas ou outros grupos a uma sessão de cinema com pipoca e refrigerante comprados ali mesmo ou no mercadinho da esquina. Um espetáculo de dança bem performado pode aliviar o estresse e a ociosidade, levando um cidadão a ter uma produtividade maior.
A cidade de Canela, no Rio Grande do Sul, habitada por aproximadamente 45 mil habitantes, por exemplo, vive uma cena artística muito intensa, não apenas pelos seus famosos espetáculos natalinos (que movimentam a cidade muitos meses antes), mas também porque mantém ao longo de todo ano inúmeras apresentações musicais e cênicas, fortalecendo o seu turismo ecológico e gastronômico. Irecê tem talento de sobra para elevar o status artístico e cultural da região, fortalecendo outros setores comerciais que direta e indiretamente somarão à equação desse mercado.
Uma vida cultural que dure o ano inteiro, não apenas em períodos específicos, é uma possibilidade que potencializaria a economia do município. E não são apenas os donos de negócios que deveriam pensar dessa forma. Nesse sentido, para que esse mercado cresça cada vez mais, contemplando a formação e profissionalização de inúmeros artistas locais, é preciso ir além de uma mera conscientização, há de se agir, de ter o consumo de arte e cultura local como um estilo de vida, tal qual se exercitar fisicamente, ou beber com os amigos. É preciso que: professores formem turmas que entendam como o consumo de arte desenvolve habilidades cognitivas; músicos que fazem shows em bares frequentem festivais de teatro; atores não apenas declamem, mas tragam seus parceiros para escutarem os saraus; órgãos públicos distribuam ingressos para filmes locais; comerciantes paguem cachês mais justos; sociedade civil compre livros dos poetas e cordelistas ireceenses; costureiras e stylists produzam figurinos juntos; poder público promova concursos; enfim, é preciso que a paixão torne-se uma profissão.
Tudo isso promoverá mais organicidade a essa indústria em formação e atrairá naturalmente pessoas de fora do nicho e da região para o consumo cultural produzido por artistas daqui. Afinal, quanto mais diverso é o serviço local, mais investimentos e desenvolvimento a cidade terá, mais riqueza social e econômica para os civis, mais empregos serão gerados para os cidadãos e mais possível será viver com estabilidade e dignidade em uma terra que é rica em seus acordes, suas palavras, suas vozes, suas feições e suas pinceladas, mas ainda carece de visão e unidade artística.
*Chal Emedrón, pseudônimo de Carlos Medeiros, licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por cultura pop e comportamento humano.