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Se você tem 30 anos, menos que isso, ou um pouco mais, já recebeu uma ligação que desejou muito ter sido uma mensagem de WhatsApp... E isso não é incomum, a preferência por mensagens escritas está em 70% dos jovens que optam por textos em vez de ligações — não é mero capricho, mas sintoma de uma sociedade que transformou a interação em transação. O telefone, outrora símbolo de intimidade, hoje é visto como um intruso: seu toque silencioso anuncia más notícias, golpes ou demandas que não podem ser ignoradas. É a linguagem cifrada de uma geração que aprendeu a economizar vogais e emoções, como quem poupa moedas em tempos de guerra. A voz, quando emerge, vem em mensagens gravadas, editadas e polidas — uma versão light da vulnerabilidade.
Quem dá face a essa problemática é chamada Geração Z (nascidos entre a segunda metade da década dos anos 1990 até os anos 2010) que rompe em um mundo onde a comunicação se tornou instantânea, mas a conexão humana, obsoleta; onde o trabalho é flexível, mas a exploração, inflexível; onde o futuro é uma promessa, mas a precariedade, uma certeza. Sob a égide do capitalismo tardio, essa geração encarna as contradições de uma sociedade que transforma tudo em mercadoria — até mesmo a voz humana.
A ansiedade que cerca as ligações — citadas anteriormente, associadas a "más notícias" — revela outra face do capitalismo: a precarização do tempo. Se o tempo é o espaço da classe trabalhadora, sem margem para pausas, os jovens tratam conversas como transações, evitando o "desperdício" de minutos não produtivos.
Até no trabalho, reuniões são vistas como interrupções, não colaborações, as famosas “reuniões que poderiam ser ligações”. O home office, vendido como liberdade, é uma armadilha: sem os encontros casuais do escritório (as "lições de osmose" que moldavam comportamentos), os jovens profissionais são como peões em um tabuleiro virtual, sem mapa para navegar hierarquias invisíveis.
Enquanto muitos defendem que o homeoffice te livra do estresse do trânsito, ele também priva o trabalhador de ver as pessoas que não conhece, as que conhece pouco e as que acha que conhece. E não me entendam mal, não sou defensor do presencial, como desejam algumas corporações, mas modelos híbridos têm as suas vantagens e precisamos considerá-las. Claro, todo trabalho presencial (e remoto) precisa ser um ambiente saudável para ser defendido em qualquer esfera.
Aliás, o trabalho remoto, bandeira do neoliberalismo, esconde uma nova forma de exploração. Enquanto os patrões celebram a "flexibilidade", os jovens são forçados a performar produtividade em chats do Teams, onde cada mensagem é uma prova de existência. A ausência de interações presenciais — aquelas conversas no café ou no bebedouro que ensinavam normas tácitas — cria um vácuo de socialização.
Sem observar a linguagem corporal dos colegas ou decifrar hierarquias sutis, os jovens oscilam entre o presenteísmo (estar online sem ser notado) e a ansiedade de "perguntar demais". É a retificação marxista em ação: relações humanas reduzidas a protocolos, onde até a criatividade é monitorada por KPIs.
O capitalismo, como sempre, lucra com a fragmentação. Enquanto os mais velhos acumulavam experiência por meio de observação coletiva, os jovens são treinados para ver colegas como concorrentes, não aliados. A colaboração, antes orgânica, torna-se uma reunião agendada no Zoom — um espetáculo de eficiência que mascara a solidão estrutural.
Para mudar a faxe sombria que as relações entre essa geração (e muitas outras, na verdade) Primeiro é necessário reapropriar a comunicação: plataformas digitais devem ser públicas, não controladas por algoritmos de lucro. A linguagem, como bem comum, deve escapar da lógica do engajamento. Depois é necessário reinventar o trabalho: exigir espaços híbridos que priorizem a formação de comunidades, não a vigilância; limitar a jornada para que o trabalho não devore a vida.
A Geração Z, como os luditas do século XIX, enfrenta máquinas que trituram sua humanidade. Mas, diferente deles, têm consciência de que o inimigo não é a tecnologia, mas o sistema que a controla. Seu desafio é transformar a conectividade precária em solidariedade estratégica — pois toda civilização é também uma barbárie, mas toda barbárie pode ser superada pela classe que faz história.