Frei Gilson e o Golpe no Evangelho

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Irecê Notícias. Os conteúdos apresentados na seção de Opinião são pessoais e podem abordar uma variedade de pontos de vista.

Se Jesus de Nazaré resolvesse descer do Monte das Oliveiras e caminhar pelas vielas digitais do século XXI, talvez se espantasse menos com os templos virtuais de Frei Gilson — que reúnem multidões em lives quaresmais — e mais com o espetáculo de ver seus ensinamentos reduzidos a adereços de guerra cultural. Afinal, o que diria o carpinteiro de Nazaré ao ver um de seus supostos representantes entoar preces a favor de guerras ideológicas, endossar estereótipos misóginos e, de quebra, flertar com o golpismo? Talvez repetisse o mesmo que disse aos fariseus: "Hipócritas, bem profetizou Isaías acerca de vós!"  (Mateus 15:7-9).

Frei Gilson, fenômeno das redes sociais, é um caso exemplar de como a fé pode ser vendida no altar da política identitária reacionária. Suas pregações, que misturam machismo travestido de teologia ("a mulher foi feita para curar a solidão do homem") e paranoia anticomunista ("livrai-nos do flagelo do comunismo"), não apenas destoam do Evangelho como o invertem. O Jesus que comia com prostitutas e cobrava dos fariseus que "não oprimissem as viúvas" certamente torceria o nariz para um discurso que reduz a mulher a "auxiliar" do homem, como se Eva fosse um acessório divino para Adão — uma espécie de Alexa celestial.

Mas o cerne da questão não está apenas no conteúdo das falas, e sim na estratégia política que as sustenta. Ao posicionar-se como um baluarte contra o "comunismo" e o "feminismo", Frei Gilson não faz mais que repetir a velha tática de instrumentalizar o medo para ganhar poder. Marx já alertava que a religião é "o ópio do povo", mas nesse caso, trata-se de um ópio turbinado com anfetaminas ideológicas: o inimigo comunista, herdeiro da "Rússia de Fátima", serve de bode expiatório para mobilizar uma legião de fiéis que, em vez de "buscar o Reino de Deus e sua justiça", são convocados a defender o reino de Bolsonaro e sua cristofobia .

A ironia (ou tragédia) é que o frei não está sozinho. Sua ascensão é sintoma de um tempo em que a fé se tornou moeda de troca no mercado das paixões políticas. Assim como os sacerdotes do Templo negociavam com pombas e moedas, hoje negociam-se likes e compartilhamentos em nome do Altíssimo. E nesse jogo, até a oração vira arma: a tal "oração do golpe", citada no relatório da PF, é um exemplo cabal de como o sagrado é profanado para abençoar interesses terrenos.

Jesus, porém, não tolerava mercadores no templo. Expulsou-os a chicotadas. O que faria, então, com um religioso que transforma o Evangelho em retórica golpista? Uma vez disseram que não se governa com orações, mas com armas — e, no caso, as armas são as redes sociais.

No embate entre esquerda e direita travado à sombra do hábito de Frei Gilson, o que mais choca é a naturalização da hipocrisia. O frei que ora contra o comunismo ignora que o cristianismo primitivo era uma seita de pobres e perseguidos, cujo líder foi executado por perturbar a ordem estabelecida. Hoje, seus supostos seguidores abençoam generais e pedem intervenções militares, como se o Reino de Deus fosse uma república de quartel.

O caso de Frei Gilson é uma expressão muito clara da miséria política que busca novos tentáculos dentro dos templos religiosos. É a mais simples evidência de quem, em vez de lavar os pés dos marginalizados, prefere pisar em seus direitos com sandálias de microfone, deixando de lado completamente os fundamentos pelos quais se vale enquanto religioso. Afinal o que aproveita ao homem ganhar multidões de seguidores se perde a própria alma?

Enquanto isso, nas redes, o espetáculo continua. E a sensação que se dá diante de tamanha idolatria que testemunhamos hoje em prol do homem e não de Cristo, é de que se Jesus, esse estranho profeta que disse "amar os inimigos", estivesse entre Pilatos e Barrabás da modernidade, perguntasse: 'Quem escolheis vós?' Sem sombra de dúvidas, seria crucificado novamente.

*Carlos Alberto Medeiros (Chal Emedrón), licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por política, comportamento humano e cultura pop.
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