O número de chacinas registradas na Bahia entre os anos de 1988 e 2023 coloca o Estado em destaque no Mapa de Chacinas Norte e Nordeste. O levantamento foi realizado em parceria entre a Rede Liberdade e o grupo de pesquisa e extensão Clínica de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), divulgados exclusivamente pelo g1 neste domingo (1º).
Ao todo, mais de duas mil mortes em 489 chacinas foram mapeadas nas duas regiões no período. A Bahia soma o maior número de casos documentados: 104 chacinas, sendo 46 em Salvador.
Em seguida aparece o estado do Ceará, com 75 homicídios em massa, sendo 24 deles na capital Fortaleza. O estado do Pará é o terceiro com mais registros, somando 69 ocorrências, 22 delas somente em Belém.
Locais onde ocorreram mais chacinas:
- BAHIA - Salvador, Jequié, Lauro de Freitas, Serra Preta, Simões Filho e Vitória da Conquista
- CEARÁ - Aquiraz, Sobral, Limoeiro do Norte, Fortaleza e Maranguape
- PARÁ - Abaetetuba, Altamira, Paraupebas e Belém
O levantamento aponta que a maior parte dos casos foi registrada em zonas rurais, 45,4%; áreas urbanas foram cenários de chacinas em 38,4% dos casos; enquanto 16,2% ocorreram em regiões intermediárias.
Conforme a diretora-executiva da Rede Liberdade, Amarilis Costa, o Mapa de Chacinas nasceu de uma dinâmica de estudos sobre letalidade policial e violência de estado dentro da Rede Liberdade.
Ela também explicou que o foco de fazer o estudo nas regiões Norte e Nordeste se dá justamente pelo fato de que existe um apagão de dados e estudos que olhem especificamente para essas regiões do Brasil.
"A Bahia, sem dúvida nenhuma, é o epicentro da violência de estado na região Nordeste do nosso país", disse.
A especialista acredita que o cenário enfrentado na Bahia é multifatorial. Ela destaca, por exemplo, que o estado é marcado por dinâmicas de violência em relação aos povos periféricos e mais vulneráveis.
Amarilis Costa cita ainda as dinâmicas do crime organizado em constante conflito e de um estado que se coloca como violador das populações mais vulneráveis. Na avaliação dela, essas condicionantes fomentam ainda mais os índices de violência em chacina.
Integrante da equipe da pesquisa, o cientista de dados Alexandre Kakuhama apontou que um dos obstáculos enfrentados foi a ausência de dados sistematizados sobre chacinas. Sendo assim, a saída encontrada pelos pesquisadores foi a análise de reportagens que noticiaram esses crimes.
"Acessamos em portais de notícias, fizemos levantamento de quantas vezes foram noticiadas chacinas nesses números do Norte e Nordeste ao longo de diversos anos. E, depois de alguns tratamentos, de algumas filtragens, a gente chegou nesses números", descreveu.
O levantamento identificou que as 489 chacinas registradas entre 1988 e 2023 resultaram em 2.117 mortes. Desse total, 339 ocorrências foram na região Nordeste e levaram a 1.291 mortes. No Norte do país, foram 150 chacinas com 826 vítimas.
Segundo a pesquisa, 2015 foi o ano com o maior número de casos: 64. No entanto, em 2017 houve o maior número de mortes, 384 no total.
Apesar de não haver um perfil racial, a pesquisa mostra que as chacinas atingem comunidades negras, quilombolas e indígenas de forma desproporcional, o que acaba sendo intensificado pela falta de monitoramento e responsabilização dos autores.
Para o historiador e especialista em Segurança Pública Dudu Ribeiro, as chacinas estão dentro de uma lógica interna de guerra, e que se pode sim caracterizar como um massacre racial. Além disso, fazem parte do repertório de um tipo de policiamento pautado em uma lógica da violência, da ocupação violenta dos territórios e do inimigo interno pensado como a população negra e periférica do país.
"Em grande parte está relacionado com a chamada guerra às drogas, que não é uma guerra contra substâncias, mas sim uma guerra contra pessoas e determinadas pessoas e seus territórios", apontou.
Dentro desse contexto, ele problematiza o entendimento que se consolidou de que operações especiais de alta letalidade estão relacionadas à eficácia e eficiência. Fato que vai de encontro ao que deveria ser o papel das forças de segurança, cujo papel é de proteger vidas.
Decisões políticas e de gestão contribuíram para que o estado tivesse destaque negativo no tema segurança pública, mas não só elas, acredita Dudu. Para ele, não é uma crise de gestão que acontece na Bahia, mas sim uma crise do modelo adotado no estado "baseado na lógica da guerra". Diante disso, ele vê a necessidade de repensar a lógica da segurança pública.
"Um modelo baseado no militarismo que é construído em todos os lugares do mundo para a eliminação do inimigo e a proteção do território e não com a prioridade da proteção da vida", criticou.