Ainda Estou Aqui: o filme evento do cinema brasileiro

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É impossível discutir o filme Ainda estou aqui, sem associar a narrativa quase shakespeareana da filha que buscar vingar a mãe que um dia fora esnobada pela maior premiação internacional de cinema, o efeito dessa narrativa já transforma a atriz, Fernanda Torres em um grande fenômeno na internet, colocando uma pressão nas redes sociais da academia. O mais interessante sobre o ainda estou aqui, é que essa narrativa entre a mãe e filha criada pelo marketing do longa, se tornando uma questão de orgulho cara para o brasileiro, dialoga com um filme que buscar retratar a memória de um tema ainda mais caro para história do país, a ditadura militar.

Ainda estou aqui, é uma adaptação do livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, que retrata um recorte de sua infância quando seu pai, na época ex-deputado pelo partido trabalhista (PTB), Rubens Paiva (Selton Mello) fora sequestrado e “desaparecido” pelo aparato estatal da ditadura. Logo no início do longa, Salles opta por uma escolha de retratar a família de Rubens, uma família de classe média na zona sul do rio janeiro, como uma família feliz e ideal, polida de grandes contradições, a escolha de usar uma das filhas para filmar em película já demarcar um tom de nostalgia as imagens do filme. A casa da família é constantemente reforçada como um ambiente alegre por estar em torno da figura do pai, usando sempre as janelas abertas da casa para deixá-la iluminada e arejada, trazendo uma figura luminosa para o personagem de Selton Melo, contudo após o sequestro de Rubens, a casa é envolta por sombras, com si personagens ficando muito temo em um só como e as janelas fechadas, para retratar o peso da ausência daquele homem, como um fantasma.

Na ausência do personagem do pai, e da filha radiante que foi morar fora, Eunice (Fernanda Torres) passa a guiar todas as ações do filme, dessa maneira ela busca seu drama com um tom mais contido, buscando não demonstrar seu sofrimento para manter sua família o mais próximo da normalidade.

Desde o sequestro do marido, Eunice buscava manter o controle com os homens que os levaram para não prejudicar sua família, nos pós sequestro, ela busca sempre sorrir e sofrer o mais longe dos filhos, até mesmo evitando de explicar a situação do sequestro quando a filha mais velha chega de viagem. Todavia, por mais que a performance da Fernanda gere uma atuação tocante e composta de uma dualidade interessante de sentimentos entre o fingir e o sentir, o filme perde um pouco da força ao passo que escolhe abrir mão da visão das outras filhas, evitando ao máximo confrontos que poderiam potencializar cenas de melodramas, salvo raros momentos como ela estapeando a filha ou o estranhamento da chegada da filha mais velha, o longa não se interessa em desenvolver as questões delas, talvez como uma escolha de mirar o Oscar de melhor atriz com o maior tempo de tela para Eunice, mas deixando o filme um tanto mais burocrático e perdendo boas chances de ampliar a visão sobre o luto daquele pai tão emblemático no começo.

Já existe um debate sobre as cenas pós saltos temporais, e não deixo de obter alguns incômodos, como a o fato da personagem central do filme, Eunice Paiva ser uma ativista pelos direitos indígenas na ditadura militar e esse fato só ser mencionado em uma curta cena, ou a participação especial da Fernanda Montenegro, que mais parece ser um apelo ao público pela corrida do Oscar, do que uma versão mais velha da personagem.

Ainda Estou Aqui, em 2024, se torna um importante retrato para resgatar a memória da ditadura militar em um filme com potencial de projeção internacional, dentro da disputa pelo Oscar e atraindo um público importante para as salas de cinema no Brasil.

*Gabriel Vinícius, cursa Cinema e Audiovisual no Centro Universitário Jorge Amado, aspirante a diretor e roteirista de cinema.